Paginas


Objetiva o autoconhecimento como forma de lidar de modo criativo com nossos problemas.

São eventos capazes de ajudar-nos a encontrar caminhos para nossas vidas.

Médica em Carazinho- RS desde 1984, hoje exerce ginecologia e psicoterapia junguiana.


sexta-feira, 27 de abril de 2018

Regeneração e Ritmos

Regeneração e Ritmos Minha postagem anterior, falava das feridas diárias. Quero agora colocar poucas linhas das cicatrizações instantâneas diárias. Há um equilíbrio constante atuando em nós, há a energia psíquica, que regride e progride, há em nossa matéria um constante “estragar” e reordenar, células se desorganizam e reorganizam a cada momento. A vida é rítmica. Tem musicalidade em tudo, toques de arte em toda nossa vida. Às vezes estamos em um momento como que a ouvir um Quarteto de Cordas tardio de Beethoven e para nós esta linguagem nos parece incompreensível. Talvez, não se tenha chegado o tempo, não apenas o tempo chronus, mas eis que o kairós se apresenta o tempo em que algo especial acontece. O tempo não apenas cronológico, aquele em que acontece um Dar-se Conta. De quê? De que não somos parte, somos um todo, célula única com o todo, e ao mesmo tempo singular, e que há o Poder Ordenador Maior, cria-se caos e cria-se ordem.

Acordando... espreguiçando

Acordando e espreguiçando, ou ainda espreguiçando e acordando. Dia a dia tenho ouvido, compartilhado, temas e momentos na vida que pareciam envoltos por paredes escuras de poços. Poços, pois pareciam maiores que buracos em que ainda se vê o céu, as bordas e ainda se ouve vozes e sons de pássaros. Um a um se delinearam em minha frente e me tocaram deixando pequenas picadas, pequenas feridas abertas que vinham com o partilhar de palavras e vivencias reais repassadas como contadores de historias, mas não da antiguidade e sim do dia a dia, o que se chama de contemporaneidade. Comecei a perceber, sentir, e refletir sobre qual o possível sentido e significado destas feridas abertas em mim, sem o tempo para que as células e epitélio pudessem regenerar. Encontrei nas palavras de um poeta, que ainda me lembrava de seu ultimo verso, agora transcrevo somada a uma pitada de comunhão e compaixão. De John Donne, poeta inglês (1572-1631): Nenhum homem é uma ilha, cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa inteira fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti. Acordando, espreguiçando, espreguiçando e acordando ou ainda significando. A natureza e também a arte têm sido medicamento. Estão sempre ao alcance, mas sem a parada do ritmo em nosso ritmo alucinado, não se acorda, nem se espreguiça e, às vezes nem se respira. Temos estrelas, lua, cascatas, verde, nasceres e por do sol diários, pássaros que cantam, mas dentro de poços, podem se tornar invisíveis e continuarmos insensíveis ao medicamento, como diz na urocultura, resistentes. Até que, até que... De dose em dose, o cosmo vai medicando, e no ato de se espreguiçar percebi que se tratava da ação de um medicamento. Primeiro um espreguiçar. No dia seguinte uma janela que se abre. Depois um planejamento criativo. Um tempo para si. Uma frase de poeta. E eis que o poço desaparece e fora dele, pode-se observar, e apreender a fase sombria como aprendizados. Aprendizados estes todos já poetados por John Donne, talvez num dia de fog londrino. Aberta para a medicação poética e recebendo-a novamente me vi como partícula do todo, parte da terra, diminuída e ferida como todos. Com a medicação e saindo do poço, estendo a mão, pois somos humanos, demasiado humanos. Não há como esquecer.