Embora sejam artigos extensos...
Coloco a disposição apara leitura e talvez posteriormente use alguma citação abrindo o meu sentir.
Coloco a disposição apara leitura e talvez posteriormente use alguma citação abrindo o meu sentir.
RESUMO
Este
trabalho olha para a mulher grávida. Um olhar à gravidez como um período
especial para a vida da mulher. Um acontecer que inicia e se desenvolve por si.
Como está essa mulher? Em que momento pessoal ela se encontra? Houve
planejamento, escolha? Considera-se em condições para a gestação? Terá apoio? Como está se sentindo? Como está
ocorrendo sua gravidez? A partir da
psicologia Junguiana pretende-se olhar para a mulher que gesta, para o seu Eu,
sua consciência e seus medos. A gravidez traz um potencial criativo e
transformador que nem sempre se tornará consciente.
I
Introdução
Este artigo dá continuidade à
proposta de releitura da história ginecológica da vida da mulher a partir da psicologia
Junguiana e tem como foco a mulher em gestação.
Estar em formação para analista
Junguiana é também um estado de gestação. Inicia-se um processo que poderá
levar a uma transformação, a qual poderá culminar ou não com um nascimento.
Nesse processo de mergulho, envolvimento e desenvolvimento, cada um traz a sua própria
história.
Imerso no “útero” da formação, o
candidato se encontra, na maioria de seus dias, atento a seu inconsciente, e o
porquê vem acrescido de um para quê?
Os filmes do diretor sueco Ingmar
Bergman (1918-2007) começam a ser revistos. Percebe-se, em muitos deles, um
olhar à alma feminina. As vozes começam
ressonar também na autora, que entende poder usá-los como exemplos capazes de
dar direção a seu pensar, além de trazer uma ilustração ao tema.
Neste artigo será usado, como
ilustração, o filme dirigido por Ingmar, em 1958, intitulado: No limiar da
vida. O roteiro apresenta a história de três mulheres internadas em uma
maternidade. Situações frequentemente vistas no trabalho em obstetrícia e que,
com certeza, continuam acontecendo nos dias de hoje.
Trata-se da história e da relação de três
gestantes internadas em um hospital. A primeira chega com sangramento e aborto
iminente. A segunda, em estado de graça com seu relacionamento, sua gravidez e
está internada porque o trabalho de parto está atrasado. Já a terceira se encontra internada após uma
tentativa frustrada de aborto. Elas apresentam, também, em comum, estarem em
sua primeira gravidez.
Marion Galbach (1995, p. 9.), no
prólogo de seu livro, coloca que, embora haja uma multiplicidade de psiquismos
individuais, a gravidez se diferencia das diversas situações de vida, por ser
uma situação especial e comum. É na primeira gravidez que a mulher transita da
identidade de filha para mãe. Essa nova situação pedirá por uma adaptação e
nova orientação por parte da personalidade.
O trabalho com mulheres grávidas
confirmou ser a gravidez um período especial. A vida da mulher se torna
diferente. Como se ela saísse do caminho normal de sua vida e começasse a
percorrer outro distinto: agora ela está grávida. Algo novo está acontecendo
nela. Existe um desenvolver independente dela. A sensação descrita, como sendo algo
sagrado, especial, maravilhoso, assustador, que amedronta, que enche de poder,
mas que também pode modificá-la, foi confirmada inúmeras vezes pelas mulheres.
Surgem questionamentos como: Como vai ficar o meu corpo? Vou engordar
muito? Vou ficar mais bonita? Ou, ainda,
Ficarei feia e gorda e com o rosto manchado?
Algumas mulheres se sentem mais amadas, enquanto outras rejeitadas.
Algumas aumentam o seu desejo sexual, enquanto outras se “enojam” do
parceiro.
Interrogam ainda: Serei capaz de ser mãe? Uma boa mãe? E se o
meu marido me abandonar? Como vou criar o bebê? Este nenê será bonito, saudável? É real a ideia de que uma gravidez
poderia melhorar meu casamento? Esse último é fato corriqueiro, visto que
há familiares e amigos que pensam e aconselham a mulher a engravidar, como
forma de salvar o casamento.
E participar a gravidez, contar para
a mãe, para o pai, para a família? A gravidez revela a vida sexual e se esta
ainda estivesse em segredo? Como contar para a mãe após múltiplos avisos: Se fizer faça bem feito. Não vai me voltar
grávida! Frases recorrentes e que mais assustam do que orientam.
Quantas mulheres se sentem culpadas
se algo acontecer com sua gravidez? A maternidade é vista como uma
possibilidade de mudança para a mulher, esta perceberá? Haverá transformação?
II
Desenvolvimento
Quando uma gravidez é anunciada e uma
nova vida está a caminho, algo “toca”- algo acontece dentro de cada pessoa que
entra em contato com essa notícia. Poderia se inferir que os “céus se abriram”?
Seria algo transcendente? Vem à imagem do dedo de Deus ao criar o homem. Um
contato com o numinoso?
Cabe citar de Jung, com
respeito ao termo numinoso usado por Rudolf Otto:
[...] Uma existência
ou um efeito dinâmico não causados por um ato arbitrário. Pelo contrário, o
efeito se apodera e domina o sujeito humano, mais sua vítima do que seu criador.
Qualquer que seja a sua causa, o numinoso constitui uma condição do sujeito, e
é independente de sua vontade. [...] O numinoso pode ser a propriedade de um
objeto visível, ou o influxo de uma presença invisível, que produzem uma
modificação especial na consciência. (JUNG, 2008, §6)
Vivenciar o diagnóstico de uma
gravidez é algo especial. O momento em que muitas mulheres, avós, parceiros, e
até mesmo o próprio profissional tomam contato com essa verdade gera diferentes
emoções. Estas vão desde uma alegria intensa até uma reação de medo, pavor ou
negação. Com muita frequência, o momento é marcado com um umedecer de olhos,
por uma lágrima que se solta espontaneamente, apontando o sagrado do momento.
Quando
uma mulher engravida, a coletividade irá interferir com projeções sobre ela: o
marido, seus pais, os colegas de trabalho e até mesmo seu chefe. Algumas logo
ficam felizes e contam para todos. Outras aguardam. Seria para ter certeza?
Para se acostumarem com a ideia? Para curtirem a sós, ou em casal? Seria algo
que amedronta?
Para
a analista Junguiana Eva Pattis, uma mulher grávida pode se sentir poderosa, e
suas fantasias de potência derivam de um mundo mítico matriarcal, onde a vagina
é a porta transcendente que dá e tira a vida. Refere a autora: “Qual a mulher
moderna, insegura dos próprios papéis, não deseja ser venerada como deusa mãe”?
(PATTIS, 2001, p.57)
Culturalmente,
após a inquietação inicial, inicia-se um processo do coletivo que vai desde a
escolha do obstetra, até exames clínicos, laboratoriais, ultrassonografias,
fotografias, roupinhas, cor e decoração do quarto. Muitas vezes se assistiu a
um evento em toda a gravidez que culminou com os lençóis bordados pela avó já
para a maternidade. Serão oito meses e pouco de muitos preparos. Esse movimento coletivo, muitas vezes, nem vê
mais a mulher mãe, e sim apenas sua barriga a crescer. Não se pergunta mais
como a mulher está se sentindo e sim como está o bebê, o crescimento, os
movimentos, o ultrassom... O Como você
está se sentindo? é substituído por: De
quantas semanas você está?.
Ainda
hoje se reforçam as fantasias da grávida com a ideia de que a gestação é um momento
apenas tranquilo, amoroso e feliz, chegando-se a poupar a grávida de incômodos
reais.
A
autora segue dizendo que a gravidez é uma:
Sedutora
combinação de direito à veneração e de regressivo livrar-se de todos os
problemas. Mas quando a realidade se revela o contrário desta expectativa, com
o acréscimo de problemas devidos justamente à maternidade e à ausência de venerações,
a decepção se transforma em ira voltada contra os que a rodeiam; entretanto
elas não foram enganadas por esta ou por aquela pessoa, foram enganadas, sim,
mas pelas próprias fantasias e pelas fantasias coletivas. (PATTIS, 2001, p.57)
A
partir do filme usado como ilustração deste trabalho - Limiar da Vida - vai-se à primeira gestante. Trata-se da Sra.
Ellius, Cissi, que chega ao hospital
com sangramento. Com muita dor ela questiona o marido quanto ao desejo dessa
gravidez. Com um olhar ela percebe a resposta: o bebê não é desejado por ele.
Não raro a mulher se sente só em sua
gravidez. Cria-se um silêncio entre o casal. A gravidez parecendo uma
separação. Poderia ter sido por um descuido anticoncepcional de um ou de ambos.
A quem cabe a responsabilidade? Há motivo de alegria ou de desavença e culpa?
Havia intimidade, cumplicidade nessa relação?
Em uma relação amorosa o diagnóstico
de gravidez é muitas vezes visto como um presente ao parceiro: Vamos ter um bebê! Você vai ser papai! Contudo,
um olhar diferente ou um questionar basta para que a mulher se sinta sozinha,
apesar de já ter o bebê dentro dela.
A gravidez testemunha simbolicamente,
mas ao mesmo tempo concretamente, que a relação pode dar os seus frutos, coisa
da qual se tinha secretamente continuado a duvidar. Frequentemente uma relação
semelhante de casal desaba justamente por causa da gravidez não desejada e se
torna evidente até que ponto os níveis tivessem sido trocados: não se desejava
um filho, mas uma renovação de si através do outro. (PATTIS, 2001, p.56)
Essa
gravidez terminou em cólicas dolorosas, sangramento e curetagem. Seria um
aborto espontâneo da natureza; seria um aborto causado pela tristeza? Mais do
que procurar causas cabe observar as palavras de mulher.
Cissi,
ao acordar da anestesia, fala, pois precisa desabafar. Ela reconhece que tudo
estava errado desde o início e agora compreende. O bebê não era desejado pelo
pai e ela, enquanto mãe, não se sentia forte o suficiente para amá-lo sozinha.
Sente-se merecedora da dor, por não ser forte e não ter amado o bebê. Estaria
se culpando por esse aborto espontâneo? Estaria se sentindo incapaz enquanto
mãe? Esse processo trouxe à consciência a inexistência de amor nessa relação?
Ela diz: Talvez não apenas úteros sejam
abertos à força aqui... Mas a pessoa inteira.
Se não desejada,
a maternidade pode ser opressiva. Mas, potencialmente, gravidez, parto e a
experiência corporal providenciam uma oportunidade de medir, explorar e
expandir nosso senso de conhecimento de quem somos. A gravidez é um processo
que afeta a identidade da mulher, altera seu senso físico e convida-o a
reconsiderar vários aspectos dessa identidade: sua relação com seu corpo, com o
pai da criança, com seus próprios familiares, com os outros planos e esperanças
para sua vida e com a imagem social da mulher grávida. A gravidez estimula o
diálogo da mulher com a natureza e a cultura. (GALBACH, 1995, p. 11)
O
que ela (Cissi) quis dizer com: Nunca estarei tão perto da vida de novo. Ao
menos, a vida passou pelas minhas mãos, pelo meu útero. Mas escoou como
água. Como água. Sem deixar vestígios. Seriam
palavras de tristeza? Sente-se incapaz de amar? Ser amada? O que ficou claro é que algo além do aborto
aconteceu: ela desabafa e se percebe como frágil. Ela esteve grávida, agora não
é mais a mesma. Houve o desabafo, houve o diálogo consigo mesma.
A gravidez não desejada é muito mais
frequente do que se pensa, porém existem diferentes níveis, existem situações
em que até existe um desejo oculto e um descuidar-se. Eu não
queria, mas também fiquei triste quando menstruei e não era. Ou ainda: Não estamos planejando, mas se vier será bem
vindo. Diferentemente de quando uma gravidez acontece em uma relação que
está ruim ou até não existe mais, e que poderia levar a mulher a mudar todos os
seus planos e objetivos. Cumpre lembrar que uma gravidez rejeitada pela família
pode levar ao afastamento da filha/o.
Existem muitos medos reais e também
imaginários, inseguranças pessoais e relacionamentos inconscientes. Quando a gravidez acontece, muitas mulheres e
pais ainda não adquiriram a sua maturidade psíquica.
Reconhece-se o quanto é importante o
apoio da família para que uma gravidez possa ser vivenciada de forma mais
inteira. Algumas mulheres encontram esse apoio, enquanto outras recebem apenas
considerações amedrontadoras e críticas, palavras que se referem apenas às
possíveis dificuldades.
O modo como a mulher for tratada nesse
momento é importante. Ela necessitará de
apoio, mas não de uma proteção exagerada. A mulher está grávida e não
doente. Existem avós que, talvez, por
ainda desejarem estar grávidas engravidam-se na gestação de suas filhas. A
mulher grávida poderá estar sendo vista apenas como um útero grávido que trará
outro bebê para a própria mãe.
Cria-se, durante a maternidade, uma
possibilidade de mudança, a mulher poderá se reconhecer de uma forma mais
consciente, mais feminina, mais inteira.
Mesmo mulheres seriamente neuróticas se
sentem muitas vezes libertas de todo conflito interior durante a gravidez e
durante os primeiros meses de maternidade; e até dirão com frequência que foi o
melhor período da sua vida. Outras se apavoram com isto, procurando encerrar
logo esta fase, voltando à sua vida normal e confiando a criança a outros. [...]
Sabe-se que situações difíceis “levam” às vezes a gravidezes não desejadas; não
só como pedido de ajuda, mas também como expressão de uma necessidade de
harmonia, de identidade precisa, de unidade com o outro, de renovação. (PATTIS,
2001, p. 60, grifo do autor)
A segunda mulher grávida do filme é Stina, a qual se encontra no final da
gravidez. A data está passando e ela está internada aguardando passivamente a
decisão médica de iniciar a indução do parto. Seu casamento é feliz e ambos os
cônjuges fazem seus sonhos e planos para a nova família. É chegada a data da
indução de seu parto e ela se manifesta com palavras carinhosas ao filho que
está para chegar: Seu malandrinho
preguiçoso, saia e venha usar os seus pagãozinhos... Saia para ver mamãe!
No momento em que recebe a
medicação, de repente, faz uma parada – seria um insight, uma percepção? – Ela lembra palavras da Bíblia e diz: Uma espada penetrou a minha alma. E se ele
não sair? Segue, porém, acalmando as colegas de quarto: Não fiquem tão assustadas. É maravilhoso. É
vida. O que foi isso: um pressentimento? Apenas um receio?
O parto inicia e o bebê vem a
falecer. Poderia ter sido diferente? Trata-se de um encontro com o limiar da
vida? Caberia ao médico antecipar, prever ou perceber o instante dessa “parada”?
Isso seria possível?
Semelhante a esta personagem, muitas
histórias reais se repetiram e ainda se repetem: uma gestação feliz, mas que,
apesar de toda a evolução obstétrica e de um pré-natal e de um parto bem feito,
o imprevisto acontece. A barriga endurece e o bebê para de se mexer. A mulher
sente que algo está diferente, dirige-se à consulta e descobre que os
batimentos fetais não estão mais presentes.
Muitos partos iniciam, e o bebê não
consegue sobreviver às contrações. Seriam apenas decorrentes das contrações,
dos nós de cordões, de descolamentos de placentas, ou de distocias?
Em outras situações, o parto ou
cesariana acontece. O bebê nasce bem, chora, vai ao colo da mãe e lhe é
comunicado que algo (incompreensível) aconteceu. O bebê não vive mais. Conforme
Stina questiona: O que houve? O bebê estava vivo, mexia-se na minha barriga! A quem
cabe essa interrupção? Trata-se do limiar da vida?
A terceira gestante do filme
chamava-se Hjördis e o relato de sua
história remete a um dilema que ocorre muito frequentemente entre adolescentes.
Um casal inicia a vida sexual, e o seu vínculo afetivo é insuficiente para
iniciar uma vida a dois, mas a gravidez acontece. A moça havia sido precavida
pela mãe quanto a não engravidar e que, nessas condições, não seria aceita de
volta em sua casa. Veja-se que esse filme é de 1958 e a situação ainda se
repete nos anos 2012. O dilema em, ao se tornar mãe, perder a mãe, perceber-se
abandonada pelo parceiro. Como enfrentar a vida?
No filme, a personagem, rejeitada,
rejeita os bebês. O tempo de hospitalização, o desenrolar das histórias de suas
colegas de quarto, a amorosidade da enfermeira auxiliaram em sua decisão.
Poder-se-ia dizer, aqui, que houve
uma situação experimental capaz de desencadear um processo psíquico, e que este
consistiu a reunião e prontidão de determinados conteúdos?
A expressão estar constelado denota que
se adotou uma atitude preparatória e de expectativa, que presidirá todas as
reações. A constelação é um processo automático, involuntário, e os conteúdos
constelados são determinados complexos que possuem sua própria energia
específica. (GALBACH, 1995, p.18)
A partir do filme e na construção do
presente artigo, olhou-se para três situações diferentes: uma gravidez que se
encerra precocemente, uma que chega à data prevista, porém o nenê não vive, e
uma terceira em que houve uma transformação de forma mais clara ao pensar da
mulher. Acredita-se que essa experiência “tocou” nessas três mulheres.
As
possibilidades dentro do universo psíquico feminino no período de gestação são
infinitas.
A gravidez é
uma fase de transição na qual se constela com maior intensidade o arquétipo
materno, manifestando-se nas mudanças corporais e em nível psíquico. O
arquétipo materno, sendo a matriz da autoconsciência feminina, estrutura e
consciência da mulher num eixo próprio seu, feminino, e sua constelação na
gravidez e maternidade levam a uma revisão da estruturação matriarcal de sua
personalidade. (GALBACH1995, p. 38)
Essa
revisão sempre ocorre? Em que grau? Uma paciente atendida se referiu a suas
gravidezes assim: Demora muito, devia ser
apenas cinco meses. Eu não senti aquilo que dizem que eu deveria sentir. Não
curti a barriga e o bebê como diziam que eu deveria sentir, nem mesmo fotos da
barriga eu queria tirar. E, quanto aos bebês, foi só depois que nasceram que eu
aprendi a amá-los. O seguimento desse atendimento mostrou o quanto esta
mulher parecia estar com a hipertrofia do complexo materno descrito por Jung,
condição em que ela não é perturbada pelo confronto consciente.
Ela vive inconsciente de sua vida e
relações, preenchida pos suas concepções inconscientes sobre o ser masculino e
também de seu próprio homem, sem experimentar em especial o masculino externo e
o princípio masculino ativo em si mesma. (GALBACH, 1995, p.28)
A
gravidez pede por novas adaptações. Conforme dito, é um período crítico de
transição, mas a observação clínica mostra que nem sempre conduz a mulher a um
amadurecimento, um aumento do grau de consciência de que estão ligadas ao
masculino.
A
gravidez e maternidade podem ser vistas como uma iniciação, a mulher poderá
integrar novos conteúdos à consciência, mas, para que isso ocorra, é necessária
a submissão a esse processo natural de transformação.
Considerando
que: “A valorização positiva da experiência da gravidez parece fundamental para
que ocorra uma transformação positiva na personalidade.” (GALBACH, 1995, p.162), cabe olhar para as múltiplas
possibilidades do contexto da paciente em gestação, cabe olhar para diferentes situações
e se perguntar sobre o entorno, o contexto e a capacidade de criar esse
valorar, essa valorização positiva.
Importante
se faz refletir sobre alguns casos:
A idade seria um fator para esse
valorar? Trazer a este trabalho a lembrança de uma gestante de 13 anos. Uma
menina púbere grávida. Acompanhá-la e realizar uma cesariana nessa
menina-mulher deixou um desconforto. Afinal o corpo era de uma criança, e o
procedimento, um nascimento. Caberia esperar por uma transformação positiva?
E perceber-se grávida e ainda ser
virgem? Como acreditar? Transformar? A oportunidade de acompanhar alguns casos
mostrou que sim, é possível. Em um caso foi devido a uma dificuldade - a
penetração; em outro, o desejo em se manter “virgem”; já, em outro, advindo de
uma brincadeira atrás dos muros da escola.
Seria possível retirar dessa experiência uma valorização positiva?
Trata-se de uma oportunidade de crescimento?
Situações frequentes como gravidez
sem apoio familiar, sem o apoio do parceiro, considerando, para algumas
mulheres, estar solteira, têm importância diferente do que para outras.
Perceber-se grávida de um parceiro diferente do que está convivendo. Engravidar
de um homem que tem outra família. Múltiplas são as situações que dificultam a
valorização positiva de uma gravidez.
Como criar uma valorização positiva se,
nesse período, estiver passando por um luto - a perda de um dos pais, irmãos,
um filho, um marido. Uma situação dessas poderá gerar a ideia de renovação, de
vida nova que chega, ou de uma dor incapaz de suplantar a possível alegria.
Mulheres que já tiveram um ou mais
abortos vivenciarão uma gravidez de forma diferente. A ansiedade, certamente,
estará presente de uma forma mais intensa. E as mulheres que têm em familiares
ou até mesmo em si mesma a história de um bebê com alterações genéticas, ou
mesmo deficiência decorrente do parto? Como esperar que uma mulher, que já teve
uma gravidez com óbito fetal, sinta-se tranquila durante o período gravídico?
Muitos
casos foram vivenciados num período anterior ao acréscimo do conhecimento da
psicologia profunda, o que certamente fez com que, como médica, não tivesse
capacidade para ver e pudesse acrescentar possíveis possibilidades
transformadoras a esse momento de crise.
Refletir
sobre uma gravidez ocorrida no curto período em que a paciente esteve separada
e que teve um relacionamento sexual descuidado. Para a mulher, o problema era
contar ou não este “caso”. Havia também a dúvida a quem atribuir a paternidade.
Apesar de muitas contas, dificuldade em definir. Trata-se de uma crise que
poderia ser uma chance, uma possibilidade transformadora, uma oportunidade de
olhar para si?
Segue-se
relatando outro caso em que a mulher era doméstica em uma família que recebia
com frequência um familiar religioso.
Houve um romance. Houve uma gravidez. Ela solteira e tida como virgem, e
o era até conhecer esse parente celibatário. A família, além de demiti-la,
tentou, com muita ênfase, persuadi-la a um aborto. Provavelmente essa criança
esteja, hoje, com mais de 25 anos. Como essa mulher se sentiu? De onde ela tirou forças para levar a
maternidade adiante?
Outro
caso que até hoje toca a profissional, deixando-a desacomodada foi o de uma
mulher que chegou gestante de seu quarto filho. Além dos três filhos, tinha um
marido alcóolatra, que batia nela, e muita dificuldade financeira. Pedia e
chorava por um aborto. Havia potencial transformador nessa gravidez?
Os
casos vão aparecendo e vem à memória uma mulher que se casou, e seu esposo já
havia feito vasectomia. O casal desejava um filho e ele decidiu por desfazer a
vasectomia. A gravidez não acontece, e eles decidem por uma inseminação. Só que
a gravidez não chega a termo. Muito perto do nascimento ela perde seu bebê. O
potencial transformador dessa mulher foi acionado?
Houve
uma gravidez em que a mulher se queixava muito. Nada estava bem, embora o exame
clínico e obstétrico nada mostrasse. Com a chegada da data do parto se decide
por uma cesariana. O bebê tinha síndrome de Down. Ela estaria percebendo? O
seguimento do caso pareceu indicar que ela não suportou.
Mulher
jovem grávida do namorado. Ele envolvido com álcool e drogas. A família, ao
saber da gravidez, entrou em colapso. Não era o homem sonhado para a filha. Como
a menina sempre fora muito rebelde e brigava muito com os pais, ela fazia
terapia. A história seguiu com esta e outra gravidez antes da separação. O
parto foi normal e ela dizia: Quero poder
gritar. Ela pariu com a força do grito de seu feminino que iniciou sua
transformação?
Ao
ser chamada para atender uma paciente (ainda não a conhecia) por estar com sangramento
e dores, não tinha como saber a continuidade de sua história. Na época, há 24
anos, o que tinha como entorno era: Ela tinha tido um acidente de carro havia
dois meses. Nesse acidente, o namorado falecera. Ela foi atendida, foi feito
sonoterapia e muitos RX. Um mês depois, nessa consulta, o diagnóstico de
gravidez é feito. Transtornada, num misto de dor, medo e esperança, ela
questiona: Doutora, após tantos exames, e
RX... O que vai acontecer com este bebê? O que eu faço?
Em
preparação deste artigo, recebe-se a referida paciente para uma consulta, mas ela
não vem só. Traz junto a filha, recém-nascida, e a mãe (avó). Ter essas três
mulheres vivas, felizes, e ver a pequena de poucos meses mamando no seio da
filha, cujo destino uma vez se questionou, mostra que houve continuidade.
Sabendo que estava a escrever este artigo, volta-se ao tempo e se recorda...
Criou-se novo momento de harmonia, agora entre quatro mulheres.
Ao
relatar este último caso reverencia-se o sagrado na dor. No
entardecer do dia anterior opero a Sra. E.. A alegria é imensa, a menina é
lindinha, grande, nasce chorando, tem muitos cabelos pretos. No dia seguinte, como
o quarto da paciente era o primeiro à esquerda na entrada da maternidade, vou
direto ao leito. Conversamos sobre a menina, que tinha ido durante a noite ao
quarto e que já estava até mamando. Seguindo o caminho ao posto de enfermagem
encontro-me com o pediatra, que me diz: O bebê da Sra E. faleceu. A
perplexidade e dor, tal qual Stina, se instalou. O bebê passou mal durante a
noite e o pediatra não conseguira reanimá-lo.
Ir ao encontro da Sra. E.
Comunicá-la. E, a seu pedido, trazer a menina para que ela a visse. Percorrer o
longo corredor silencioso com a menina em suas roupinhas cor de rosa, já sem
vida, foi um momento indescritível. De silêncio, reverência e comunhão com a
mãe. Creio que foi um momento de rendição ao Limiar da Vida.
III Conclusão
A
ideia em estudar o vaso gravídico, o entorno à mulher que gesta, as múltiplas
variáveis pessoais que se apresentam, mostrou que muitas situações se repetem
independente da época.
Usar
citações de Jung corrobora a importância de se criar um olhar contemplativo às
histórias da vida.
Nosso
laboratório é o mundo. Nossos experimentos são acontecimentos reais da vida
humana de cada dia, e o pessoal submetido às provas são os nossos pacientes,
discípulos, parentes, amigos e enfim nós mesmos. O papel do experimentador
compete ao destino. [...] o que temos são esperanças e os perigos, as dores e
as alegrias, os erros e as realizações da vida real, que se encarregam de
fornecer-nos o material de que precisamos para a observação. (JUNG, 1972,
§171).
‘Nosso intento é
compreender a vida da melhor maneira
possível, tal como ela se manifesta na alma humana’. [...] Esse intento
consiste na adaptação mais adequada do modo de levar a vida humana; e essa
adaptação ocorre em dois sentidos distintos (pois a doença é a adaptação
reduzida). O homem deve ser levado a adaptar-se em dois sentidos diferentes
tanto à vida exterior – família, profissão, sociedade- quanto às exigências
vitais da sua própria natureza (JUNG, 1972, §172, grifo do autor).
Fazer
uso do filme Limiar da Vida, como
forma de apresentar a alma de três mulheres grávidas de seu primeiro filho, e
recordar diferentes situações experimentadas enquanto profissional trouxe um
questionamento: A quem cabe a decisão, se um óvulo fecundado evoluirá a
embrião, feto ou bebê? Até onde o ser humano “médico” e o ser humano “mulher
grávida” poderiam intervir?
Fica
ainda a imagem criada para este trabalho, imagem essa que somente se apresentou
poucos dias antes da conclusão do artigo: A existência de um “Cordão Umbilical
Cósmico”.
A
mulher é envolta por um vaso gravídico e, dentro desse, poderão ocorrer muitas
transformações. Algumas serão felizes, outras de dor. A conexão desse cordão
umbilical cósmico perpassa esta mulher que está sendo tocada. Seu útero poderá
crescer. Seu parto, chegar. Seu bebê, nascer. Mas, além de todos os
acontecimentos que se percebem, existe um potencial para um novo nascimento, um
renascimento psíquico dessa mulher.
Nas
palavras de Marion: “A autoentrega total e ativa pode acabar constelando um
autoencontro.” (GALBACH, 1995, p. 43).
BIBLIOGRAFIA
JUNG, C. G. O
desenvolvimento da personalidade. São Paulo: Círculo do Livro, 1972.
GALBACH,
Marion Rauscher. Sonhos e Gravidez:
Iniciação à criatividade feminina. São Paulo: Paulus, 1995.
KAST,
Verena. Crises da vida são chances de Vida: Crie
pontos de virada. Aparecida, SP: Ideias e Letras, 2004.
PATTIS,
Eva. Aborto Perda e Renovação: um
paradoxo na procura da identidade feminina. São Paulo: Paulus, 2001.
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