Estou repassando o Position Paper apresentado em novembro de 2013 em que anunciou muito da experiência que vivencio.
Quando Hermes
se impõe:
Nas asas do Medo um voo em direção a si mesmo.
RESUMO
A partir de um encontro com Hermes a autora é colocada em um espaço
sombrio e de maior profundidade capaz de gerar o reconhecimento de seus
limites, medos e a reverencia frente a força de um deus.
I
Introdução
A autora mergulhada em
seu processo de formação tem seguido sua jornada com muito zelo. Há que se
caminhar em busca do autoconhecimento.
Cabe um movimento em direção ao acolhimento de suas próprias feridas e
neuroses. Trata-se de um movimento,
agora visto como sagrado e feito de forma deliberada não isento de medos.
Os artigos anteriores
olharam para o feminino de forma projetada. Tratava-se do conhecimento e
experiência da médica em relação aos pedidos de outras mulheres em distintas
situações que pediam ajuda e acompanhamento clínico.
O artigo que precedeu –Intermezzo: Um espaço criativo entre mãe e
filha-, trouxe uma maior aproximação da autora consigo mesmo embora
inicialmente tenha questionado a validade em escrever sobre si e sua mãe.
Saiu-se da mulher que olha para fora e se olhou com. Durante a apresentação apesar de cuidadosamente elaborada
levou a autora a se sentir extremamente mobilizada e exposta. Houve um
sentimento de tristeza e de inadequação, um espaço de alma que chorava.
O intermezzo findara. Então se inicia o segundo ato. Neste segundo
ato o movimento pede pela introversão.
Tenciona-se recolher projeções e olhar para a mulher que escreve. É
chegada a hora de ir à procura de espaços internos, escuros. Locais que apertam
e que se esquivam de ser tocados.
Na tentativa em
delimitá-los, descreve-se como logo ali, uns centímetros atrás do peito, um
pouco mais a direita, é preto, está circunscrito e encapsulado. Teme-se pelo
risco imaginário da dor e impotência que daí poderá advir.
Havia na infância da
autora um quarto sombrio, o quarto da avó idosa – neste quarto havia um
alçapão. Uma portinha de madeira que levava a um local escuro. Há na memória a
descoberta deste espaço, no dia em que foi instalada uma lâmpada interna e que
passou a iluminar esta descida. Esta foi a imagem que se criou a iniciar este
artigo. Esta imagem já remetia a medos.
O inconsciente tem se
apresentado ora por forma de sonhos ora por imagens, porém para este trabalho
ele trouxe uma experiência. Aconteceu um encontro, na procura de significados:
Um encontro com Hermes.
II
Desenvolvimento
Neste ir e vir à
formação ocorreu uma vivencia. O que aconteceu? Como nominá-lo? Um encontro, um
encontro com Hermes. Não foi uma
experiência fácil. Estava em viagem e sentiu uma angústia extrema. Foram alguns
quilômetros e alguns minutos intermináveis, indescritíveis, em que a autora
apenas conseguia dizer a si mesma: Você
vai conseguir falta pouco! Apertando a medalhinha que tinha no pescoço como
a um amuleto de proteção e abraçou-se imageticamente com o manto verde da
paisagem, como se a mãe natureza estivesse a acolhendo. A descrição dos fatos
experimentados torna-se totalmente dispensável, ficando apenas a certeza de que
algo aconteceu, algo diferente indizível em palavras humanas, porém
confortavelmente definido como: Um
encontro, um encontro com o deus Hermes.
Que
deus é este? Filho de Zeus e Maia é o deus do inesperado, da sorte,
das coincidências, da sincronicidade. “é
o mistagogo e o psicopompo dos alquimistas, seu amigo e conselheiro, que os
conduz à meta da obra. (JUNG, 2006,§238) Aquele que introduz ao mistério. O
condutor de almas.
“Hermes está entre nós” diziam os
antigos gregos quando um silêncio súbito caía na sala, envolvia a conversa, acrescentava
outra dimensão á reunião. Sempre que as coisas aparecem fixas, rígidas,
“empacadas”, Hermes introduz a fluidez, o movimento, novos começos e confusão
que quase inevitavelmente precede novos inícios. Arianna Stassinopoulos, The Gods of Greece (BOLEN,
2005, p. 236.)
Hermes o deus dos
viajantes – e a autora dentro de um ônibus – o deus das mudanças súbitas de
vida. Deus ambíguo, mensageiro dos deuses e das trevas. O deus com asas nos pés
viajava frequente e velozmente entre o Olimpo e o mundo inferior, entre o
Olimpo e a terra, entre a terra e o mundo inferior. Deslocava-se facilmente
entre esses níveis, cruzando sem obstáculos todas as fronteiras.
Estaria Hermes ali,
colocando a autora em um espaço terrível e desconhecido para ela? Não estava onde
costumava estar, não estava aonde iria chegar. Estava nas mãos de algo
indescritível e assustadoramente poderoso.
Parecia que a própria identidade se dissolvia.
“Murray Stein,
analista Junguiano, chama Hermes de o Deus das Passagens Significativas. Hermes
é o arquétipo que se faz presente quando há uma transição entre fases
psicológicas, especialmente nas mudanças da vida adulta. É deus liminal,
presente no espaço transicional (liminal vem do grego limen, que era o espaço sob a soleira da porta, ou o limiar).”
(BOLEN, 2005, p. 246.)
Hermes é também chamado
de o deus da revelação. Tratava-se de
um rito de iniciação? Tratava-se de um teste? Uma travessia? Um rito de
passagem? Afinal o que Hermes apontava? Esta situação liminar, em que a autora
se encontrou sem nenhum ponto fixo capaz de autenticá-la. Sentir-se fora de seu
ambiente normal perder totalmente o controle pela situação de modo a
perceber-se rendida. Houve dor psíquica. Houve lágrimas. Houve prece.
As passagens por
experiência limítrofes levam ao contato com o medo. Nas palavras de Jung
cria-se: “o medo instintivo de perder a liberdade da consciência e de sucumbir
ao automatismo da psique inconsciente.” (JUNG, 1971 a,§230)
Vive-se em um mundo de
incerteza e iludidos com o controle, mas o medo faz parte e pede por cuidado e
respeito. Ele ajuda que se reconheça o que é valioso. Embora se fuja do
descontrole, frente ao medo é possível procurar por novas adaptações e por
soluções criativas: “No entanto, tolerar a confusão não é um valor cobiçado em
nossa sociedade: devemos sempre readquirir a certeza imediatamente, ter visão
clara.” (KAST, 2004, p. 46)
Afastada do ambiente
habitual houve uma quebra da persona. Neste momento quem era ela? O que estava
acontecendo?
Quando nos
afastamos voluntariamente de nosso ambiente habitual, estimulamos a compreensão
de nós próprios e o contato com as profundezas interiores do nosso ser que
podem nos escapar na agitação da vida cotidiana. De maneira normal, nosso senso
de identidade depende de nossa interação tanto com o mundo físico quanto com as
outras pessoas. Meus estudos, revestidos de livros, refletem meus interesses,
confirmam minha identidade como escritor e reforçam minha concepção do tipo de
pessoa que eu me considero ser. Meus relacionamentos com minha família, meus
colegas, amigos e conhecidos menos íntimos me definem como pessoa que sustenta
certas opiniões e que provavelmente se comportará de forma previsível.
Mas posso vir a
sentir que esses valores que habitualmente me definem também são limitantes.
Suponhamos que eu fique insatisfeito com meu eu habitual ou sinta que existem
áreas da experiência ou de entendimento de mim que não consigo alcançar. Uma das maneiras de explorá-las é afastar-me
do meio ambiente atual para ver o que emerge. Isto tem seus perigos. Qualquer
nova forma de organização ou integração mental precisa ser precedida de certo
grau de desorganização. Ninguém é capaz de dizer, enquanto não o tenha
experimentado, se esta necessária destruição dos padrões anteriores será
seguida por algo melhor. (STORR, 1996, p.62)
Enfim colocada a um
espaço em que os referenciais e relacionamentos não se estiveram presentes,
houve uma desorganização. Qual foi o perigo real? Que padrões anteriores serão
necessariamente destruídos?
Houve também sonho em que a seguinte frase
foi ouvida: É hora de acolher a
negritude. É hora de dizer que não sabe. Acordada com esta mensagem remeteu
imediatamente ao encontro com o medo, o convite a ir às sombras, ir ao porão.
Nas
palavras de Jung o encontro consigo mesmo significa o encontro com a própria
sombra e também de uma comunhão com o todo.
A
sombra é, no entanto, um desfiladeiro, um portal estreito cuja dolorosa exiguidade não poupa que quer que
desça ao poço profundo. Mas para sabermos quem somos, temos de conhecer-nos a
nós mesmos, porque o que se segue à morte é de uma amplitude ilimitada, cheia
de incertezas inauditas, aparentemente sem dentro nem fora, sem em cima, nem
embaixo, sem aqui ou um lá, sem meu nem teu, sem bem, nem mal. É o mundo da
água, onde todo vivente flutua em suspenso, onde começa o reino do “simpático’
da alma de todo ser vivo, onde sou inesperadamente isto e aquilo, onde vivencio
o outro em mim, e o outro que não sou, me vivencia. ( JUNG, 2006, §45.)
Ciente
e desejoso do autoconhecimento segue-se o caminho à descida, a poços profundos,
espaços escuros e desconhecidos. Abdicar
ao ego conhecido a edificado através dos anos. Olhar para este ego que se
formou a partir de muitos movimentos e experiências dos quais muitos foram
imitações, aprendizados talvez decisivos para um período e desnecessárias em
outro, padrões repetitivos provindo da hamartia familiar e agora
relativizá-los.
É
chegada a hora de olhar para as implicâncias com familiares com o olhar de quem
procura em si este conteúdo sombrio. A teoria é mais fácil e pode-se até dizer
a si mesmo: isto deve ser meu. Mas frente a um fato, ao vivo, quando se
percebe já se está atuando dentro do complexo acionado.
Cabe a cada um olhar
para os seus próprios conteúdos sombrios, seus próprios diabinhos invasores, que levam a colocar o anel que o dominará. Tem-se a conteúdo teórico suficiente
para dar-se conta de forma generosa de que tudo é arquetípico, o ciúme, a inveja,
o controle, a arrogância e medo. Tudo existe em todos. Um encontro como este em
que nada pode ser feito revela o quantum
de libido represado a serviço em esconder estes conteúdos sombrios. Hermes vem e desorganiza, desestrutura ,
mostra o medo.
Hollis se refere aquele
que desconhece a existência de suas próprias sombras como possivelmente
ingênuo, superficial, ou ainda imaturo e inconsciente. Vê a importância da
completude do ser humano como uma missão e acarinha os conteúdos sombrios como
um caminho para esta possível inteireza. Ele propõe a procura pela sombra a
partir das questões:
...é (1) onde estão nossos medos,
(2) onde somos mais feios para nós mesmos, ou (3) para os muitos acordos
diários que fazemos, as adaptações e as negações que apenas aprofundam a
escuridão. Esse paradoxo desafiador permanece: Nunca experimentaremos a cura
até que aprendamos a amar nossos lugares que não podem ser amados, pois eles
também pedem nosso amor. Os lugares doentes estão doentes porque ninguém,
principalmente nós, os amou. (HOLLIS,
2010, p.236)
Este pedido por amor a
conteúdos, espaços doentes que estão sofridos, vistos apenas no outro, porém
eles estão dentro de cada um, mostra a amorosidade como potencial, como semente
transformadora do ser. Olhar para o feio, para as negações, para os “não” que
se guardou por anos como inadequados de forma acolhedora. A questão passa a ser
a de reconhecer e acolher. Dá para se dizer que a questão da sombra passa pelo
amar-se.
Nas palavras de Jung
“... terão que renunciar a quase todas as caras ilusões que têm a seu respeito,
para deixar brotar algo muito mais profundo, maior e mais belo dentro de si.”
(JUNG, 1971 § 26).
Este algo mais profundo
esconde a polaridade que está sendo vista como feia, errada e que recebe o
preconceito que a exclui da completude. Há que se olhar para estes “feios” e
amá-los. Há que se olhar para a dificuldade com eles e abriga-los. Tomá-los no
peito e dizer a si mesmo: Este sou eu.
Não preciso mais me renegar e nem mesmo abusar de mim mesmo. Sou também assim.
Em nota de rodapé de A Vida Simbólica, Jung cita as palavras
de Nietzsche: “Isto eu fiz, diz minha memória. Isto eu não posso ter feito, diz
meu orgulho e fica irredutível. Finalmente a memória.” (Werke VII, p.94) (JUNG,
1981, p.202). Há muita dificuldade em se reconhecer os feitos talvez não
nobres.
Sente-se também a
vergonha e para evitá-la muitas vezes se usa o caminho da insinceridade.
Foge-se de todas as exposições capazes de colocar em risco o prestígio. O custo
em mantê-lo pode ser o de negar os conteúdos vistos como sombrios.
Em Pedraza (2010, p.
40-41) a partir do Hipólito de Eurípedes, o aidôs (vergonha) de Fedra ele aponta
para quatro tipos de vergonha: Uma por conta de divagações psicóticas devido a
possessão erótica induzida por Afrodite, uma pela vergonha pública por seus
filhos, por uma emoção de dor psíquica e uma quarta pelos complexos familiares.
Dentre tantas vergonhas, qual destas já foi acometida? Suas próprias divagações
psicóticas? A opinião publica? Pelas dores internas? Há também os complexos familiares. Quem ainda
não sentiu isto? Estaria a autora em
divagação psicótica? Certamente havia uma dor psíquica.
Pedraza (2010, p.41)
diz: “O aparecimento da vergonha em psicoterapia é, para mim, índice de uma
consciência psíquica em movimento”.
Focar porões levou a
espaços escuros e dentro destes foram encontrados os medos. Porém: “O que ignoramos dentro de nós mesmos
chegará, mais cedo ou mais tarde, de fora... como um caminhão em nossa direção
na pista errada.” (HOLLIS, 2010, p.13)
Teme-se o que não se
conhece. O medo existe em todos, é da
natureza humana. Não há como negá-lo. A vida é repleta de espaços
desconhecidos, que poderão ser experimentados de forma mais fácil caso sejam
iluminados pela luz de consciência. O seu lado bom é que propicia cuidado e
atenção. O medo permite que se olhe para
uma determinada situação de forma mais planejada, organizada e preventiva.
É possível ampliar a
confiança de cada um ou até cria-la através do conhecimento, reflexão ou até
mesmo por comparação.
O
processo analítico ajuda a olhar também para o medo de forma ampliada, como um
guia de vida, ir além da autoproteção para uma forma de existir: O analista
James Hollis que ouvia de seu analista em Zurique: “Você deve transformar os
seus medos em seus motivos”.
Quais
são seus medos, questiona a autora? Cabe reconhece-los e seguir o conselho
acima, transformá-los em motivos? Até que ponto a tolerar, suportar, não está a
serviço de um medo escondido? O que faz
com que alguém aguente uma determinada situação dolorosa sem conseguir a
coragem suficiente para a sua própria defesa? Covardia? O covarde não assume suas intenções e
atitudes, agride aquele que não se defende, e se este que ele não defende for
ele mesmo? Trata-se de um instinto ferido?
Em Ferreira (2009, p. 1193), ampliando o significado do vocábulo
“motivo” foi encontrado o termo “leitmotiv” como o motivo condutor. Aparecendo
tanto na música, quanto na literatura como uma repetição de determinado tema
que apresenta uma significação especial. Um tema ou ideia que se insiste com
frequência. Olhar o medo como “leitmotiv” seria um modo de trazê-lo a
consciência e seu potencial transformador?
O medo é do escuro? Do desconhecido? Um medo que remete
ao controle? Controle de si e do outro? Trata-se de poder? Ou ainda em perceber
a grandiosidade e profundidade do inconsciente?
É muito maior do que se imagina o
numero de pessoas que têm medo do inconsciente. Tais pessoas tem medo da
própria sombra. [] o próprio fato de vencer tal medo, quando isso ocorre, já
representa uma façanha moral extraordinária, mas não é a única condição a ser
satisfeita no caminho que conduz á verdadeira experiência do si-mesmo. (JUNG,
2000, §62)
Hermes o deus das encruzilhadas voou com
suas asas para dentro do espaço de um ônibus e assustou, fragilizou. Havia uma
passagem que não estava sendo feita? A escolha esteve sendo feita pelo caminho
mais fácil? O chamado foi para um caminho de maior fidelidade a si própria?
Autenticidade? Inicia-se um movimento solitário? A nova terra continua
inexplorada?
No caminho para a maturidade
psicológica existe uma passagem crucial, uma encruzilhada em que a escolha não
pode ser feita ao acaso; a partir daquele momento de fato os dois caminhos
divergirão irremediavelmente. Pode-se escolher o percurso que se apresenta mais
fácil, representado pelo compromisso, pelo estar sempre em harmonia para evitar
o mal-estar; ou em vez disso, aquele mais acidentado e inacessível, da
coerência, da fidelidade a si mesmo, da autenticidade. O primeiro nos promete
um passeio, o segundo uma aventura. Quem escolhe o compromisso empreenderá uma
‘visita guiada’ num passeio familiar, numa natureza domesticada, por veredas
traçadas e ‘batidas’; quem escolhe a outra via assume o próprio risco e perigo
num empreendimento solitário, numa terra inexplorada, onde, como em certos
mapas antigos... [] Para aqueles que escolhem a via da autenticidade,
semelhantes encontros não só são evitáveis, mas preciosos, porque os ajudam a
tornar-se mais homens. (CAROTENUTO, 2005, p.200-201)
O
movimento que se inicia certamente é reflexivo e solitário. Hermes libertou o medo, descontrole e a
entrega. O medo esteva à espreita e pedia para ser acolhido.
Este encontro
paralisou, relativizou o espaço tempo. A autora não se sentia ali e percebia
que não lhe cabia nenhum controle sobre aquele tempo que se instalou diferente.
Uma exigência a se tornar mais lenta? Um “menos’ a pressa?
No XXI Congresso da
AJB, a Filósofa Dra. Olgária Matos referiu-se a uma contemporaneidade apressada
com falta de contato consigo e com o outro e que a cultura da aceleração leva a
falta de contemplação. Seria a mensagem de Hermes
seja um decreto que tire do causal, quer seja medo, ou ansiedade e oriente
para que se: Pare! Contate! Aprofunde! Contemple! Uma ordem para a adultez?
Existe
a tentativa em fugir de medos e dos inexoráveis da vida. Projetar no outro ou
ainda tentar um retorno ao paraíso uterino, mas será apenas um ensaio. O
caminho por responsabilizar-se por si é repleto de temores. Cabe aprender a
lida.
Hollis
vê a relação entre o amor e medo como:
O poder do amor está sobretudo na
sua vitória sobre o medo. Onde prevalece o medo, não existe o amor. Dada a
ubiquidade do medo, o movimento para o amor é um desafio considerável. Somente
os que conseguem encarar seus medos, vivem com ambiguidade e a ambivalência,
têm condições de encontrar o vigor pessoal que possibilita o amor ao Outro.
(HOLLIS, 2002, p.89)
O medo é visto como
algo com “ubiquidade”, ou seja, como onipresente. Nada há que se possa fazer.
Está aí o grande desafio, amar apesar do medo, deixar com que o amor o supere.
Então cabe aprender a
lidar com o medo. Hollis (2002, p.
83-85) menciona que a psicóloga Karen Horney diz que as pessoas lidam com seus
medos de três modos. Um deles são os padrões de submissão que frequentemente
estão acompanhados de uma racionalização inconsciente, pensando estar dando atenção ao outro, um
segundo modo hostil e nesta circunstância acaba-se por dominar o outro pelo
medo que ele incute, já um terceiro é evitar, esconder-se emocionalmente. Esta
atitude pode ser vista como delicadeza, timidez ou educação.
Quem frente ao medo já
não esteve em submissão, em poder ou em distanciamento? O que está se
negligenciando? A quem? Sua própria jornada? Onde está o amor?
A palestrante Dra
Olgária referiu-se a nosso tempo como um “tempo de arrogância”, um tempo em que
se exerce uma vontade onipotente. A arrogância é arquetípica, porém fora da
medida, é hybris. Nada como um
encontro com um deus para trazer de volta a humildade e se perceber a própria
arrogância. O ego frente aos deuses se percebe inerme.
Frente a um deus
expõe-se a pequenez, mas este momento não permite mais infantilizar-se e sim em
trazer a si suas próprias responsabilidades. Os medos apontam e retraem o
sujeito que com maturidade deve acolhê-lo e ouvir a musica que toca, o ‘leitmotiv’.
O processo de
crescimento em tornar-se adulto e responsável sujeita o sujeito ao risco do
erro, da vergonha, da rejeição, da crítica. Quando Hermes se apresentou percebeu-se que o encontro não era mais apenas
entre os homens, chegara a um momento em que ele pediu por profundidade, tocou
em outro espaço, um espaço das “entranhas”.
III Conclusão
Frente a esta experiência
vivenciada inicialmente como dolorosa, apreender que se esteve nas mãos do deus
Hermes, que voou ao espaço que estava
e que esteve a conduzir ao mistério, ao contato com sombras, a experiência do
medo trouxe outro valor. A percepção do sagrado, a percepção da entrega, do
render-se aos mistérios da vida. Havia ainda a ilusão de que poderia controlar
a própria vida?
Isto pode acontecer
frequentemente na vida das pessoas. Quer esteja acometido de algum adoecer,
algum diagnóstico difícil, alguma situação pessoal ou de algum familiar. O
mensageiro dos deuses poderá se apresentar e apenas cabe aceitar.
Este encontro também
pode ocorrer em situações ditas positivas. Hermes
presente. Em uma zona liminar, uma situação limítrofe em que há controle, se
está a margem. E nestas horas e
encontros se abrem para questões maiores, procura-se o contato com o divino.
As primeiras imagens
que surgiram neste trabalho foram de locais sombrios no próprio peito,
passou-se por porões escuros com a lembrança de que foi colocada uma lâmpada,
havia uma escada que descia, mas não sem um foco luminoso.
Houve um
encontro arquetípico. A chegada de Hermes
levou a um espaço desconhecido, houve regressão da libido houve um furto
psicológico capaz de:
O furto psicológico
é uma atividade natural e básica de Hermes na psique e está intimamente ligado
com as sandálias aladas, símbolo do deus alquímico Mercúrio. A forma como as
confeccionou e usou, indicam um movimento para trás, o que associa à concepção
de Jung, do movimento de regressão da libido. Este movimento é a regressão
necessária até a memória pessoal e arquetípica, que possibilita o furto
psicológico e aponta novos insights, abrindo caminho rumo ao desenvolvimento
psíquico. (LUCONI, 2001, p. 66)
Olhar para muitos
comportamentos de sua vida que acontecem e aconteceram de forma automática.
Reconhecer que havia uma mulher Atená em ação e que pede em espaço reflexivo
pela possibilidade em transformar. Permitir o nascimento de aspectos
dionisíacos.
Nos sonhos de homens e mulheres
contemporâneos, esse arquétipo está frequentemente representado pelo bebê
precoce que fala com o sonhador ou que, de alguma outra maneira, não é
evidentemente uma criança comum. A sensação pessoal de que a “minha” vida tem
um sentido sagrado, ou que há elementos tanto humanos quanto divinos na “minha”
psique, ocorre quando a pessoa entra em contato com o arquétipo da criança
divina, o que muitas vezes prenuncia o inicio da jornada espiritual de adulto
ou seu caminho de individuação. (BOLEN, 2005, p. 368.)
Este artigo teve um deus
trapaceiro, que dificultou sua escrita. Ele começou pelo estado de dor. Dor
evitada, dor escondida, dor protegida e que neste quinto semestre da formação
analítica, sincronicamente aflora.
O Universo apresentou
dificuldades, chamados de “problemas” e estes dados reais acionam dor, medo, apavoramento, pânico, o peito apertado,
ferido, rachado, colado, com questões sem resposta.
Como tudo ficará? O que
virá? As dificuldades passarão? Haverá bonança? Este é um caos regenerador?
BIBLIOGRAFIA:
BOLEN, J.S. Os Deuses e o Homem: Uma nova psicologia da
vida e dos amores masculinos. São Paulo: Paulus, 2005
CAROTENUTO, A. Eros e Pathos; Amor e Sofrimento. São Paulo: Paulus, 2005.
FERREIRA, Aurélio Buarque de
Holanda. Novo dicionário Aurélio. 4
ed. Curitiba: Positivo, 2009.
HOLLIS, J. A Sombra Interior: Porque as pessoas boas
fazem coisas ruins? São Paulo: Novo Século, 2010.
________ O Projeto Éden: a busca do Outro mágico. São Paulo: Paulus, 2002.
JUNG, C. G. Aion Estudos Sobre o Simbolismo do Si-Mesmo.
Petrópolis: Vozes, 2000.
________A Vida Simbólica. Petrópolis: Vozes, 1981.
________ A Natureza da Psique Petrópolis: Vozes, 1971 a.
_______ Os arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes, 2006.
_______ Psicologia do Inconsciente. Petrópolis: Vozes, 1971b
KAST, V. Crise da Vida são Chances de Vida. Aparecida-SP, Ideias &
Letras, 2004.
LUCONI, E.B.F. Análise Junguiana: Uma visão mitológica em
Busca da Individuação. Rio de Janeiro, 2001.
PEDRAZA, R. L. As emoções no Processo Psicoterapêutico. Petrópolis:
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SINGER, J. A mulher Moderna em busca da Alma. São
Paulo: Paulus, 2002.
STORR, A. solidão. São Paulo: Paulus, 1996.
http://en.wikipedia.org/wiki/Liminality